Numa noite muito fria, uma bola prateada está suspensa no firmamento, clareando o céu em volta e desbotando a luz de outros milhares de pontos, menores e igualmente misteriosos. Um casal se aconchega sob as peles dos animais que lhes serviram de alimento e estão reproduzidos em desenhos nas paredes do lugar onde habitam. Sentados perto do fogo, eles observam a bola de prata com encantamento e reverência. É o mesmo olhar com que eles irão testemunhar a outra bola, quente e dourada, subir no horizonte na manhã seguinte, ao acordarem.
A bola de prata cresce e diminui, fazendo as mulheres sangrarem e as marés subirem. A bola de ouro aquece a terra para depois esfriá-la, renovando o alimento que eles coletam ou plantam. O casal não sabe o que são as bolas celestes de prata e ouro. Mas compreende a importância vital de seus ciclos perfeitos. Eles erguem seus olhos em adoração e respeito pelas forças maiores que conduzem suas vidas.
E aí está a última vez em que humanidade vivenciou e experimentou o Divino diretamente. Sem intermediários.
Logo mais viriam aqueles que pretendiam saber o que eram as bolas celestes, assim como a água mágica que caía dos céus e o fogo assustador e trovejante que costumava acompanhá-la.
E desde então, toda e qualquer experiência Divina chegou até nós através de alguma forma de religião. Deus sem homens sagrados, Deus sem templos, Deus sem escrituras deixou de ser possível.
Há uma estatística que diz que 99% dos brasileiros acreditam em Deus.
Dia desses, trocando idéias com meu irmão na cozinha de casa, ouço dele que a maioria daqueles que conhecemos é católico “não-praticante”. Não concordo, tenho amigos de variadas correntes religiosas, mas entendo o que ele quer dizer: para os que não têm a espiritualidade e sua vivência plena no centro de suas vidas, “católico não praticante” é uma resposta prática e que todos entendemos. São os que crêem em Deus e apelam para ele no momento do perrengue, geralmente com um pai-nosso, uma ave-maria ou outra oração resgatada das aulas de catecismo.
É impossível definir ou dar nome à minha crença. Não raro, me pego a admirar o brilho da lua e perceber nele a sabedoria do Universo que o criou. É libertador poder reverenciar, como nosso casal ancestral, forças que não compreendo, mas que reconheço perfeitas. Apenas isso. Sem nomes ou rótulos a me incluir nesse ou naquele grupo.
Qual a minha religião? Ainda bem que ninguém me faz essa pergunta, seria complicado respondê-la. Qual a sua, leitor? Você é como eu, que crê sem amarras nem dogmas?
Pode bem ser – e quero muito crer nisso – que pela primeira vez em milênios, nos seja novamente permitido ir direto à Fonte e contemplar Deus sem religião.
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